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Paciência estratégica triunfa sobre ‘máxima pressão’

Abbas Araghchi (à direita), vice-ministro de Relações Exteriores do Irã, conversa com outros representantes internacionais para as negociações sobre o acordo nuclear em Viena, Áustria, 27 de abril de 2021 [Delegação da União Europeia/Getty Images]

As delegações militares israelenses que voaram a Washington nas últimas semanas retornaram desapontadas, após esforços fracassados para dissuadir Joe Biden e sua equipe de acatar o acordo de Viena com o Irã e suspender sanções impostas à república islâmica. O aparato de segurança de Israel crê enfim que o atual governo americano está determinado a encerrar o caso, mesmo caso signifique revogar mais de 1.600 sanções impostas pelo ex-presidente Donald Trump.

A história se repete, mas em curto período de tempo. Em 2015, o governo israelense de Benjamin Netanyahu não poupou esforços para frustrar os avanços do então presidente Barack Obama para alcançar um acordo. O próprio premiê de Israel não hesitou em comparecer pessoalmente a ambas as câmaras do legislativo americano para abordar a questão e incitar senadores e congressistas a contrariar a Casa Branca. Na ocasião, tratou-se evidentemente de uma iniciativa incomum em termos de diplomacia. Contudo, hoje é bastante difícil para Netanyahu enfrentar sequer o Knesset (Parlamento de Israel), muito menos o Congresso dos Estados Unidos.

Teerã passou por quatro anos difíceis, sob as mais duras sanções impostas por Washington, armado apenas de sua “paciência estratégica”. Jamais abandonou suas condições ou demandas para ressuscitar o acordo e afinal conseguiu o que queria. O tratado internacional, às vésperas de novamente ver a luz do dia, está bastante próximo de incluir quase todas as reivindicações iranianas. Aparentemente, não há limite para a obstinação de Teerã e podemos aprender algo com isso.

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Washington agora suspende sanções impostas sobre a maioria das entidades e indivíduos iranianos. Encerra também sanções sobre os três principais setores estratégicos à economia nacional: petróleo e energia, indústria e bancos. Além disso, quase US$100 bilhões serão liberados após anos congelados em solo americano, desde que Teerã implemente suas obrigações conforme o acordo, ao restringir sua expansão atômica, como exigem Washington, Tel Aviv e outras capitais europeias e árabes.

O representante da maior potência interessada — isto é, os Estados Unidos — não teve permissão para adentrar no hotel onde a delegação iraniana hospedou-se para reunir-se com equipes da China, França, Rússia, Reino Unido e Alemanha. Antes de iniciar as deliberações, os iranianos insistiram que a bandeira americana fosse removida do painel de exibição, de modo que Washington não poderia participar, portanto, das negociações diretas. Apesar das tentativas de conduzir uma conversa direta para acelerar o processo, a delegação do Irã não demonstrou qualquer pressa sobre a questão.

Não se deve negar aos iranianos o direito de vitória perante a arrogância de Trump, além da conspiração de Netanyahu e alguns aliados regionais, a subordinação europeia e a hesitação de países como China e Rússia. Tudo sugere que Teerã em breve deverá superar seu isolamento e cerco, à medida que governos europeus e árabes aproximam-se do lado vitorioso. Já é possível sentir uma nova brisa soprando das capitais árabes.

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Enquanto isso, em meio a promessas de manter sua ao Irã, Netanyahu assistia impotente e ofertava serviços como líder de um país supostamente capaz de “preencher o vazio” de Washington na região. Entretanto, seu problema é não encontrar consumidores, à medida que mesmo os regimes árabes mais entusiastas da normalização passaram a perceber que qualquer trunfo israelense perdeu rapidamente seu valor e influência. Os mesmos regimes descobriram apenas agora que o diálogo com o Irã, e não a aliança com Israel, quem sabe, é o melhor caminho para preservar sua segurança e estabilidade e salvaguardar seus interesses.

Trump e aliados confrontam o acordo nuclear iraniano [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

Não obstante, Teerã não está só, dado que movimentos próximos também obtiveram êxito em convencer Washington a ouvir suas demandas e condições. Ou não será o Talibã um modelo de paciência e obstinação ao enfrentar uma superpotência e enfim forçá-la a retirar suas tropas do Afeganistão incondicionalmente? Ou mesmo o grupo iemenita houthi, ao constranger a coalizão saudita a reconhecê-lo como agente majoritário, após ser descrito como “ovo frágil do Irã”, com uma breve expectativa de vida? Ainda hoje, o mundo insiste em adotar a linguagem dos vitoriosos, sejam estados, organizações ou movimentos nacionais — não importa filiação intelectual, ideológica ou religiosa.

Este artigo foi publicado originalmente em árabe pela rede Addustour, em 4 de maio de 2021

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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