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Uma conversa com o almirante italiano que espera levar paz à Líbia

Almirante Fabio Agostini [Força Naval Mediterrânea da União Europeia/Twitter]
Almirante Fabio Agostini [Força Naval Mediterrânea da União Europeia/Twitter]

Em entrevista ao MEMO, o contra-almirante italiano Fabio Agostini, comandante da chamada Operação Irini, contesta as críticas sobre o suposto fracasso de sua campanha em aplicar efetivamente um embargo de armas à Líbia, conforme resoluções do Conselho de Segurança da ONU, a fim de conter a interferência estrangeira no conflito interno do país.

Ao contrário, Agostini assevera: “Em dez meses de atividade, a Operação Irini demonstrou sua eficiência e imparcialidade ao implementar o embargo de armas do Conselho de Segurança através de sua área de atuação, independente dos atores envolvidos”.

A Operação Irini foi lançada após a antecessora Operação Sophia, empreendida pela Força Naval Mediterrânea da União Europeia, encerrar seu mandato em março de 2020. Enquanto Sophia concentrava-se na migração ilegal a partir da Líbia, Irini é incumbida de aplicar o embargo das Nações Unidas e combater o tráfico de armas do país.

A Resolução 1970/2011 do Conselho de Segurança da ONU proíbe a venda de armas à Líbia, assolada pela guerra civil desde 2011. A Resolução 2292 autoriza inspeções na costa mediterrânea e devolução de embarcações suspeitas de violar o bloqueio.

Agostini pensa que as críticas à operação deixam de observar que a Irini carece de certos recursos ao agir em áreas “tão grandes quanto o Reino Unido”. A pandemia de covid-19 também prejudicou sua capacidade e a falta de “importante cooperação de atores bastante relevantes, como EUA e OTAN” representa um outro problema – segundo o militar, um evidente sinal de que nem a Organização do Tratado do Atlântico Norte, sequer os Estados Unidos, agem o suficiente para ajudar a Líbia após exercerem um papel notório em desestabilizá-la.

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Em 2011, a OTAN lançou uma campanha aérea de sete meses que decorreu na deposição do falecido ditador Muammar Gaddafi, levando a Líbia a uma guerra sem fim.

Em certo momento, a União Europeia pareceu dividida sobre como lidar melhor com a Líbia, como visto na amarga disputa entre França e Itália, ambos membros do bloco. Mas Agostini crê hoje que há harmonia. O almirante italiano destaca a Conferência de Berlim sobre a Líbia, realizada em janeiro de 2020, na qual a União Europeia expressou-se “com uma só voz”.

Agostini considera que o suposto êxito da Irini se sustenta em fatos: a operação investigou até então cerca de 1.700 navios mercantis, 150 voos suspeitos, além de monitorar 16 portos e 25 aeroportos. Em um caso, uma carga de combustível utilizado em jatos de guerra, com destino no leste da Líbia, foi devidamente confiscada.

A Líbia e o caos sem fim [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

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Conforme as resoluções promulgadas pelo Conselho de Segurança e o mandato da Operação Irini, Agostini indica que sua equipe emitiu ainda 18 relatórios desde que assumiu a missão, em março último. Tais relatórios foram submetidos ao Comitê das Nações Unidas de Sanções à Líbia, que deve então submeter suas recomendações específicas ao Conselho de Segurança para proceder em novas ações contra quem viola o embargo.

Contudo, o Conselho de Segurança de fato fracassou até então em penalizar contrabandistas de armas e combatentes estrangeiros no país norte-africano, além de não agir devidamente contra os responsáveis por tráfico humano afora da Líbia.

A Turquia, principal fornecedora de soldados e armas ao Governo de União Nacional, com sede em Trípoli, criticou reiteradamente a Operação Irini por não ser “objetiva”. Agostini recusa-se a abordar questões políticas, mas enfatiza que sua missão não antagoniza “ninguém e nenhum país”, mas sim investiga “todas as violações”. Em sua entrevista, o almirante ainda recordou os críticos que as resoluções do Conselho de Segurança aplicam-se de fato a todos os estados-membros das Nações Unidas.

Em 5 de janeiro, o Secretário-Geral da ONU António Guterres recomendou enviar observadores à Líbia para monitorar o cessar-fogo vigente desde outubro. No mesmo dia, um novo gabinete de governo para a Líbia foi aprovado por voto, após uma maratona de conversas mediadas pela ONU, em Genebra.

Perguntei a Agostini se a Irini poderia ajudar a monitorar a trégua. O almirante não rejeitou a ideia, mas argumentou que expandir a missão desta forma, atualmente, não parece “conjecturável”. Seria ainda preciso um acordo entre as Nações Unidas, União Europeia e autoridades líbias por todo o país.

Desde 2011, o bloco europeu conduz ainda uma outra campanha, denominada Missão Europeia de Assistência de Fronteira na Líbia (Eubam), que busca auxiliar o controle líbio de suas fronteiras e conter o fluxo de tráfico de bens e migração ilegal. Natalina Cea, servidora pública veterana na Itália, foi indicada para liderar a Eubam. Questionei se Agostini enxerga a possibilidade de cooperação entre as missões. Em resposta, confirmou que ambas “já estão cooperando”.

A Guarda Costeira do Governo de União Nacional beneficiou-se de programas de treinamento durante os anos da Operação Sophia, mas este aspecto do acordo não foi renovado ainda sob o mandato da Irini. O almirante visitou Trípoli em novembro último para tentar solucionar o problema e alega que algum progresso foi feito – “mas a questão ainda está em aberto”.

Além disso, a própria Guarda Costeira da Líbia é frequentemente acusada de envolvimento no tráfico humano a partir da Líbia ou de negligenciar seu compromisso em termos de busca e resgate de refugiados que fazer a perigosa jornada à Europa. Entretanto, o comandante insiste que tais questões demonstraram melhora.

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Em audiência no parlamento italiano, em 28 de janeiro, Agostini destacou que, durante sua recente visita à Líbia, conversou com representantes do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) e da Organização Internacional para Migrações (OIM) e obteve confirmação de melhora no comportamento da Guarda Costeira da Líbia, sobretudo em respeito a direitos humanos e questões de gênero, graças aos treinamentos concedidos sob o mandato da Operação Sophia.

Agostini enfatizou, porém, que a Guarda Costeira do país norte-africana demanda mais recursos, dado que muitas das atividades ilegais e violações dos direitos dos refugiados são cometidas por milícias fora do escopo do Governo de União Nacional.

Na audiência, o almirante afirmou que, apesar das “limitações”, a Guarda Costeira da Líbia é bastante eficiente quando consideramos os meios disponíveis hoje. Agostini concede crédito à instituição por resgatar “quase 50%” dos emigrantes da Líbia, entre 2018 e 2020. De fato, o número de refugiados mortos durante a travessia marítima reduziu-se significativamente, segundo informações da OIM.

É evidente que uma Líbia instável representa uma ameaça direta à União Europeia, devido à sua proximidade com o bloco. A imigração ilegal ainda é considerada uma enorme dor de cabeça aos políticos europeus, dado receios remanescentes de que terroristas em potencial possam entrar na Europa e causar problemas.

A Irini pode provar-se crucial para a paz na Líbia, agora que o país possui um novo corpo executivo incumbido de organizar eleições em um ambiente estável. No entanto, para que isso aconteça, as recomendações da missão europeia devem ser levadas a sério pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Além disso, caso a ONU concorde, Agostini acredita que o envolvimento da Irini em monitorar o cessar-fogo – “sem soldados em campo” – pode agregar valor ao caminho de paz, devido ao “profundo conhecimento” da operação sobre toda a região e seus desafios.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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