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Colocar Bolsonaro e Israel no banco dos réus

Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, e o Primeiro-Ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, durante assinatura de acordos. Em 31 de março de 2019. [Alan Santos/PR]
Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, e o Primeiro-Ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, durante assinatura de acordos. Em 31 de março de 2019. [Alan Santos/PR]

O Governo Bolsonaro não tem frustrado as expectativas de apoiar o que há de pior no mundo. Assim, colocou novamente o Brasil na posição vergonhosa de ser o único país latino-americano a se opor à investigação de crimes contra a humanidade cometidos pelo Estado racista de Israel no Tribunal Penal Internacional (TPI) de Haia, na Holanda. Além do Brasil, também se posicionaram contrários Alemanha, Austrália, Canadá, Hungria, Uganda, Áustria e República Tcheca. Ao todo, 123 países são signatários dessa corte.

As políticas genocidas de Bolsonaro deveriam levá-lo igualmente a se sentar no banco dos réus. A possibilidade está aberta. Processo para também investigá-lo já está nas mãos de Fatou Bensouda, procuradora-geral de Haia. A última da série de denúncias ao TPI contra o capitão do Exército reformado alçado à Presidência do Brasil foi apresentada em 22 de janeiro último pelos caciques Raoni e Almir Surui, este último chefe da tribo dos Paiter-Surui, através do advogado francês William Bourdon.

A acusação é de extermínio, escravidão de indígenas e desmatamento na Amazônia. Reportagem do The Guardian no dia seguinte apontava o quadro em questão, classificado como “ecocídio”: “invasões de territórios indígenas aumentaram 135% em 2019 e pelo menos 18 pessoas foram assassinadas” em 2020. O desmatamento, como continua a matéria, expandiu-se em “quase 50%” desde que Bolsonaro assumiu o governo. As instituições ambientais responsáveis por fiscalizar e impedir tais crimes vêmsendo desmontadas. Para piorar esse quadro, agora Bolsonaro tenta aprovar pacote de maldades no Congresso Nacional que inclui projeto de lei para liberação da mineração e garimpo em terras indígenas.

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A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) já havia protocolado, em abril do ano passado, representação contra Bolsonaro no TPI, por sua política genocida em meio à pandemia de Covid-19. O Partido Democrático Trabalhista (PDT) tomou a mesma iniciativa em junho. O negacionismo e ações de Bolsonaro são diretamente responsáveis pela morte de mais de 230 mil brasileiros.

Soma-se a tudo isso a busca agora por aprovar também no Congresso Nacional projeto de lei que amplia a licença para as polícias e Forças Armadas matarem – o chamado excludente de ilicitude. O resultado será ainda mais extermínio de pobres e negros nas periferias. Israel é o parceiro perfeito, já que suas armas seguem sendo vendidas para cumprir esse papel.

Ao encaminhar ao TPI argumentos falaciosos contra a investigação do Estado sionista no TPI, como acaba de fazer através de sua diplomacia na Holanda, o Governo Bolsonaro tem, portanto, duplo interesse: deslegitimar tribunal que pode levá-lo à condenação internacional por crimes contra a humanidade e manter sua aliança prioritária para seguir com o genocídio no Brasil.

Pacto de sangue

O País já ocupa a triste posição de quinto maior importador de tecnologias militares testadas sobre as “cobaias” palestinas pelo Estado sionista. Em nome desse pacto de sangue, bem representado pela figura de alguém que defende ditadura como Bolsonaro, faz sentido ser contra a investigação no TPI – aprovada no último dia 5 de fevereiro pela Câmara preliminar. Por maioria, a decisão foi que o Tribunal Penal Internacional tem competência para averiguar os crimes cometidos nos territórios palestinos ocupados em 1967 por Israel – Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Certamente vão ter muito trabalho: a lista é gigantesca, e não para de crescer, ante a expansão colonial agressiva, regime institucionalizado de apartheid e bloqueio desumano a que a estreita faixa de Gaza – bombardeada frequentemente – está submetida há quase 14 anos.

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Isso porque a investigação ainda é limitada. Não abrange o crime contra a humanidade basilar: a Nakba (catástrofe com a criação do Estado de Israel em 15 de maio de 1948 mediante limpeza étnica planejada). Restringe-se a sua continuidade, sem, contudo, tratar da situação dos milhões de refugiados palestinos expulsos de suas terras há mais de 72 anos e outros milhões submetidos a 60 leis racistas em Israel. Se não representa, portanto, justiça na sua totalidade, é denúncia importante do caráter criminoso desse Estado. E também da omissão e cumplicidade internacional.

No caso do Brasil, essa cumplicidade – agora explícita – não é nova. Na figura do diplomata Osvaldo Aranha, o País presidiu a Assembleia Geral das Nações Unidas em 29 de novembro de 1947 que recomendou a partilha da Palestina em um estado judeu e um árabe, delegando ao projeto colonial sionista praticamente metade daquelas terras. Um sinal verde para a limpeza étnica que culminou na Nakba. A ditadura militar também contou com a colaboração e apoio de Israel. E nos últimos anos, o País esmerou-se, como já citado, em firmar acordos militares, entre outros, que sustentam a ocupação na Palestina.

Se o tribunal não tem potencial de garantir justiça à totalidade do povo palestino, o que deve incluir o retorno dos milhões de refugiados às suas terras, é instrumento importante para ampliar as denúncias e fortalecer campanhas centrais de solidariedade internacional, como a de BDS (boicote, desinvestimento e sanções).

O desespero sionista em buscar impedir a investigação no TPI demonstra que sua imagem, já arranhada, tende a rolar ladeira abaixo. Já não era sem tempo. Que leve junto Bolsonaro e outros criminosos contra a humanidade que fazem coro à limpeza étnica cotidiana enfrentada pelo povo palestino.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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