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La nueva constitución chilena entre as garras do velho Estado repressor

A convocatória do referendo foi impulsionada pelos protestos de 2019, pela desprivatização das políticas públicas sociais. [CC Ibericonect]
A convocatória do referendo foi impulsionada pelos protestos de 2019, pela desprivatização das políticas públicas sociais. [CC Ibericonect]

O resultado do plebiscito de 25 de outubro no Chile, que deu sim à escrita de uma “nueva constitución” foi sem dúvida, uma vitória da democracia no continente.  Com 78% de votos favoráveis à substituição da velha carta de Pinochet, votantes decidiram ainda que o texto será redigido por uma convenção constituinte totalmente nova, e não por 50% dos atuais congressistas – que era uma opção.

O ambiente latino-americano é de apreensão frente às eleições em curso, as presidenciais nos Estados Unidos e as municipais no Brasil, que podem confirmar ou descartar um início de reação ao ascenso da extrema direita verificado nos últimos anos.  Os acontecimentos no resto do mundo, que impulsionam guerras xenofóbicas e normalizam relações coloniais, como os acordos de países árabes com Israel, não ajudam a tranquilizar os espíritos progressistas. No caso dos Estados Unidos, vencer o extremismo do republicano Donald Trump poderá ser um alívio, mas não livrará ninguém da política imperialista, militarista e neoliberal vinda do norte.  O concorrente, Joe Biden, já disse esperar que a América Latina o apoie em seu projeto de liderança mundial..

Nesse cenário, o Chile se juntou à festa recente da  Bolívia com a eleição de Lucho Arce, que afastou do governo os golpistas amparados pela Organização dos Estados Americanos (OEA), que assaltaram o comando do país em 2019. Uma eleição e um referendo impulsionados pelas forças populares neste ano pandêmico de 2020 parecem peças fora do jogo armado pela desesperança.

Em até dois meses devem ser definidos os nomes concorrentes para formar a assembleia constituinte.  Em abril, o Chile votará novamente, para eleger 155 membros, com paridade entre homens e mulheres.  A Constituição deverá ser escrita em nove meses, com tolerância de mais  três meses de prorrogação, para ser submetida novamente à votação pública em meados de 2022.

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Há muitos motivos para o povo chileno exigir que a futura Constituição reflita os protestos que cobraram direito ao transporte público, educação gratuita, acesso à saúde e direitos previdenciários.  E também o reconhecimento dos direitos reivindicados pela população indígena. Foram estas mobilizações que levantaram o país contra as desigualdades e a violência  e obrigaram o presidente Sebastián Piñera a procurar uma resposta que não significasse sua própria derrubada, anunciando o plebiscito em novembro do ano passado. Mas agora, trata-se de uma nova batalha que começa.

O professor Kamal Cuncille, do Centro de Estudos Árabes da Universidade do Chile lembra que  “a grande maioria da população votou pela nova Constituição, e isso significa que tanto esquerda como direita votaram a favor dela e agora disputarão visões de Estado”.

Nesse amplo espectro, há quase meio milhão de “chilestinos” que se identificam com a Palestina histórica e promovem laços culturais e esportivos com a terra de origem das primeiras gerações de imigrantes, opondo-se à sua ocupação por Israel. O Esporte Clube Chileno, que este ano completou seu centenário, e que leva o mapa da Palestina pré-48 no uniforme, demonstra essa forte relação.  A causa palestina é muito mais associada às lutas das esquerdas na América Latina. Mas assim como o restante da sociedade chilena, a comunidade chilestina se divide no plano político e ideológico sobre a próxima Constituição. Como lembra o professor Kamal Cumsille, o próprio comitê palestino chileno-palestino é presidido hoje por um parlamentar de direita.

A nova Carta provavelmente derrubará o princípio do Estado subsidiário do setor privado que  impede, por exemplo, a oferta da universidade pública, gratuita e universal. Até hoje, sempre que propostas de leis ameaçaram mais seriamente esse modelo de Estado, um tribunal criado para a defesa da Constituição foi acionado. “É um instituto chileno, formado por maioria conservadora, que hoje tem o poder de barrar políticas que a maioria de seus integrantes consideram infratoras do texto de 1980” , explica Cumsille.

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Entre a defesa do Estado social e o Estado mínimo, as campanhas para eleger representantes à nova convenção constituinte devem travar uma guerra de narrativas quanto ao que seja renovação e democracia, colocando-se na oposição à velha política ou mesmo na negação da própria política. Um dos primeiros debates pós referendo questiona a participação de partidos na indicação de candidaturas. O ambiente democrático sugerido pelo referendo não impedirá que a batalha seja feroz e violenta.

A política conservadora e privatista que fracassou em sufocar os protestos, mas deixou um  saldo de mortes, prisões e ferimentos graves, continua exibindo sua raiva institucional contra manifestantes – que agora pedem a libertação de ativistas detidos nos confrontos.

A cena dos carabineiros arrancando no sábado a fantasia da “tia Pikachú”, e em seguida jogando gás de pimenta no rosto da ativista Giovanna Grandóné é inacreditável.  A personagem tornou-se presença habitual nas marchas chilenas, ao lado de outras figuras que ajudavam a colorir os protestos.

A relação do estado com a população indígena mapuche, que historicamente resiste à colonização, mostra que os aparatos repressivos continuam bem armados.  Os interesses econômicos pelas terras indígenas tem levado a destruição de áreas florestais pelas mineradoras e o agronegócio. O Estado abre caminho utilizando a lei antiterrorismo de Pinochet, taxando os mapuches de terroristas, prolongando detenções sem acusação e cercando militarmente a região de Araucanía  onde muitos vivem.

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Métodos e tecnologias de vigilância, armas e treinamentos vêm principalmente de Israel. Apesar de reunir a maior e mais antiga população de imigrantes palestinos do continente, o Chile tornou-se um cliente fiel do Estado ocupante da Palestina desde a ditadura. O Movimento pelos Direitos do Povo Palestina menciona documento desclassificado da CI, segundo o qual, de 1975 até 1988, Israel vendeu sistemas de radar, mísseis ar-ar, equipamentos navais, sistemas aeronáuticos e antimísseis ao Chile.  As fabricantes Elbit , IAI e Rafael estão hoje entre as principais fornecedoras de equipamentos e armas.  Em 2018, os exércitos do Chile e de Israel assinaram um memorando conjunto para  “cooperação em educação militar, capacitação e doutrina, liderança, comando e controle, entre coutras coisas.”

A Constituição hoje em vigor atribui ao presidente o papel de definir a política externa, assinar tratados e convênios e o Congresso de aprová-los.  É um modelo básico  que deve permanecer.  “É uma tradição chilena respeitar a soberania territorial”, explica o professor Kamal Cumsille. Por outro lado, a Constituição deverá definir os tipos de tratado que a ela se integram automaticamente após adesão do País – não cabendo mais mudanças. Exemplos são os compromissos com a Declaração dos Direitos Humanos e as grandes normas internacionais da ONU que o Chile já assinou.  Ao mesmo tempo, a democracia exigirá uma categoria de acordos que o Congresso poderá modificar, suspender ou barrar.  Entre eles, tratados comerciais que se baseiam no velho Estado privatista que mercantiliza suas políticas sociais ou os convênios militares que armam e treinam o Estado repressor que criminaliza sua população.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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