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Encontro de Trump e Netanyahu serve a interesses pessoais, não nacionais

Presidente dos Estados Unidos Donald Trump encontra-se com Primeiro-Ministro de Israel Benjamin Netanyahu no Salão Oval da Casa Branca, em Washington DC, 5 de março de 2018 [Olivier Douliery-Pool/Getty Images]

Por toda a presidência de Donald Trump – assim como foi com seus predecessores –, os Estados Unidos preservaram o princípio de interferência nos assuntos de outros países, amigos ou inimigos. Ao utilizar suas embaixadas e agências de inteligência, a interferência americana tem como base seus próprios interesses e influência. Washington aposta em um futuro de hegemonia plena dos Estados Unidos; portanto, seu aliado Israel não é poupado também das intervenções e manipulações americanas. Os Estados Unidos interferiram por meio das supostas negociações sobre a questão Israel-Palestina e seu plano de ação, além do papel exercido em tratados de paz acordados entre Israel e Jordânia, Egito ou Autoridade Palestina.

Entretanto, tal interferência e manipulação da política israelense é executada de modo distinto pela gestão de Donald Trump, pois deve ser vista no contexto do interesse próprio, em detrimento de interesses nacionais. Os “ganhos eleitorais” fornecidos pela administração de Trump ao Primeiro-Ministro de Israel Benjamin Netanyahu tiveram início com o anúncio do chamado “acordo do século”, seguido pelo reconhecimento unilateral de Jerusalém como capital de Israel; a transferência da embaixada americana de Tel Aviv a Jerusalém; os cortes nas doações americanas à Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA); e o reconhecimento da soberania israelense sobre o território sírio ocupado das Colinas de Golã. A escolha do momento para todas estas medidas coincidiu com as duas últimas campanhas eleitorais em Israel, a fim de garantir a vitória de Netanyahu. Embora não possua qualquer mandato oficial, o premiê israelense continua a governar o país à revelia. Entretanto, os presentes de Trump não foram suficientes e os eleitores israelenses terão de ir às urnas pela terceira vez em menos de um ano, em 2 de março próximo. Há dúvidas cada vez maiores de que Netanyahu conseguirá ser indicado novamente para compor o governo.

Washington postergou os detalhes do acordo diversas vezes, provavelmente para esperar que o novo governo israelense fosse formado e liderado por Netanyahu. Agora, a administração americana afirma que revelará os detalhes antes das eleições de março, e não depois. Tornou-se evidente uma consulta feita por Trump a Netanyahu, dado que o primeiro-ministro e seu principal rival, o ex-general Benny Gantz, foram convidados a comparecer em Washington para uma reunião com Trump, a fim de esclarecer detalhes, a pedido do premiê israelense. Netanyahu crê que convidar Gantz removerá suspeitas de que suas posições sobre a anexação da Cisjordânia ocupada sejam de fato divergentes. Para Netanyahu, esta promessa feita por ambos deverá favorecer seu partido Likud, graças a uma base fiel de direita e extrema-direita, em detrimento do modelo de Gantz, considerado mais moderado.

LER: Turquia e Rússia são possíveis mediadores de paz para o conflito Palestina-Israel?

O apoio de Gantz à proposta de anexação da Cisjordânia, após Netanyahu anunciar que tais medidas provavelmente serão impostas, levou a acusações de que o líder da coalizão Azul e Branco (Kahol Lavan) possua pouco tato político e tenha demonstrado fraqueza ao analisar a atual conjuntura. Tais acusações se dão pelo fato de que tal proposta efetivamente beneficia a campanha eleitoral de Netanyahu e do Likud. Gantz, portanto, poderia não aceitar o convite de Trump para encontrá-lo nesta terça-feira (28) – ou talvez encontrá-lo separadamente de Netanyahu.

Os Estados Unidos reconhecem a soberania de Israel sobre Golã – cartum [Sabaaneh/Monitor do Oriente Médio]

A reunião de Trump e Netanyahu – com ou sem Gantz – demonstra a prioridade de ambos sobre seus próprios interesses pessoais, evidente então por trás deste convite. Nesta terça-feira, o comitê de imunidade parlamentar de Israel também começará a debater a suspensão dos privilégios políticos e diplomáticos de Netanyahu diante de suas acusações de corrupção. Entretanto, a cobertura de imprensa sobre o acordo de Trump e seu encontro com Netanyahu serve a um papel diversionista sobre os inquéritos que ameaçam a vida política do premiê israelense. A equipe de defesa de Trump sobre seu processo de impeachment também se beneficiará da atenção midiática concedida a outro lugar. Portanto, os anúncios desta terça-feira referentes ao chamado “acordo do século” servirão sobretudo aos interesses pessoais de Trump e Netanyahu, ao invés de serem tratados como uma matéria honesta e direta de interesse nacional seja para Israel ou para os Estados Unidos.

Este artigo foi publicado primeiramente em árabe pelo jornal Al-Ayyam, em 26 de janeiro de 2020

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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