Relembrando a prisão de Ahed Tamimi

O vídeo que viralizou mostra Ahed Tamimi, aos 16 anos, com outras duas mulheres,  tentando expulsar os soldados que atiraram em um menino, que atirava pedras, dentro de sua casa e impediram a família de entrar. Ela dá um tapa no rosto de um dos homens. Uma mulher grava e mostra que os soldados não levam a insígnia de Israel em seus uniformes, contrariando a exigência internacional.

O quê: Prisão de Ahed Tamimi

Quando: 19 de dezembro de 2017

Onde: Aldeia de Nabi Saleh, Cisjordânia ocupada

Quando a maioria das pessoas pensa em manifestantes palestinos, uma garota jovem, de olhos azuis e cabelos loiros não vem à mente.Mas há dois anos, Ahed Tamimi, de cabelos louros, mudou isso. Com apenas 16 anos, depois que um vídeo dela confrontando um soldado israelense e de sua subsequente prisão se tornou viral, ela chamou a atenção do mundo gerando manchetes internacionais e se tornou um símbolo de resistência da noite para o dia.Foi assim que a voz, o comportamento e as manifestações de Tamimi desafiando a ocupação israelense de terras palestinas a transformaram em destaque mundial.

O que aconteceu?

Tamimi, que foi presa no meio da noite por soldados israelenses em sua casa na Cisjordânia ocupada, foi condenada a oito meses sob custódia israelense como parte de um acordo judicial no qual  admitiu ter agredido o soldado e o incitamento.

O incidente inicial que levou à prisão de Ahed aconteceu em um protesto, organizado para denunciar soldados israelenses que atiraram contra  seu primo, Mohammed Tamimi, de 14 anos, que foi atingido no rosto por uma bala de borracha. Ele ficou gravemente ferido, mas sobreviveu.

O fato ocorreu logo depois que o presidente dos EUA, Trump, reconheceu Jerusalém como a capital de Israel.

Ao longo dos anos, a vila de Tamimi, Nabi Saleh, tem sido foco de protestos contra a ocupação, aos quais os soldados israelenses respondem com gás lacrimogêneo, prisões e, às vezes, munição viva.

O vídeo da adolescente palestina defendendo seu irmão, dando um tapa e chutando um soldado fortemente armado, na entrada da casa de sua família, foi captado durante o protesto. Ficou claro que ela não representava uma ameaça real para eles, o que a tornou um símbolo da oposição palestina ao domínio militar israelense.

A simpatia e reverência causadas enfureceram os israelenses de direita.

Para muitos israelenses de direita, a jovem  é terrorista e agitadora de publicidade, mas para os apoiadores palestinos, ela se tornou o rosto – e a voz – da causa e resistência palestinas.

A Anistia Internacional condenou a prisão, por violar o direito internacional, e sublinhou que a detenção de menores só deve ser usada como último recurso.

O ativismo de Tamimi ganhou atenção da mídia em 2012, quando  imagens dela ameaçando dar um soco em um soldado israelense que tentava deter seu irmão se tornaram virais, e em 2015, em um vídeo em que aparecia, então com 15 anos, mordendo a mão de um soldado israelense mascarado e armado que estava novamente tentando deter seu irmão Mohammed, 12,  em atitude de estrangulamento. Mas poucos fora do Oriente Médio a conheciam.

Foi o vídeo dela confrontando o soldado israelense com equipamento militar completo que transformou Ahed Tamimi em um ícone global do movimento de resistência palestino.

Manifestantes seguram cartazes e faixas durante um protesto no Grand Central Terminal em Nova York, Estados Unidos, em solidariedade a Ahed al-Tamimi e prisioneiros palestinos nos cárceres israelenses. Eem 5 de janeiro , 2017 [Atılgan Özdil/Agência Anadolu]

Segundo o pai de Ahed, Bassem Tamimi, ativista de longa data denominado “prisioneiro de consciência” pela Anistia Internacional, os soldados invadiram violentamente a casa e prenderam a menor Ahed sem fornecer qualquer motivo.

Pelo menos 30 soldados e oficiais de inteligência, que também confiscaram dispositivos eletrônicos, incluindo laptops, câmeras e telefones celulares, estavam envolvidos no ataque e na prisão de Ahed.

Em março de 2018, Ahed, que completou 17 anos na prisão, aceitou uma barganha, confessando-se culpada de acusações como agressão e incitamento após ser julgada em um tribunal militar fechado.

Ela foi condenada a oito meses, menos o tempo cumprido ne prisão e recebeu uma multa de 1.436 dólares e uma sentença suspensa de três anos.

Durante sua prisão, Tamimi foi assediada sexualmente por um interrogador israelense, segundo sua advogada Gaby Lasky.

Nas imagens divulgadas ao público, Ahed foi mostrada no escritório de um interrogador, uma semana depois de ter sido detida. Dois interrogadores israelenses são vistos interrogando-a sobre seu envolvimento em protestos recentes. Os homens também fizeram comentários sobre sua pele branca e ameaçaram deter os membros de sua família se ela não cooperasse com eles.

Durante seu interrogatório gravado em vídeo, Tamimi se recusou repetidamente a responder às perguntas ou comentários dos interrogadores sobre sua aparência física.

Ela foi interrogada por um grupo de homens, sem mulheres ou interrogadores especializados em lidar com menores presentes, o que é uma violação da lei israelense.

Uma versão estendida do vídeo também mostrou um interrogador fazendo comentários insinuadores em relação a Tamimi ao comentar: “Você tem olhos de anjo” em árabe, o que equivale a assédio sexual.

Ele então tentou explicar o quanto ela se parecia com sua irmã, que “gasta todo seu dinheiro em roupas”, de acordo com o relatório do The Daily Beast.

O assédio e o abuso sexual, incluindo estupro, são rotineiramente usados ​​pelas autoridades israelenses para humilhar e torturar prisioneiros palestinos e mulheres.

A história de Ahed provocou uma rara atenção à situação das crianças palestinas mantidas nas prisões militares israelenses.

O primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdoğan, convidou a jovem para Istambul e deu-lhe um prêmio por sua coragem.

Além disso, a edição deste ano dos 500 muçulmanos mais influentes do mundo declarou Tamimi “uma heroina em campo”, elogiando seus esforços para defender a causa palestina.

Apesar das punições sofridas durante sua prisão, ela não se mostrou menos determinada a transmitir a dor e a luta de seu povo ao mundo e prometeu continuar sua luta contra a ocupação israelense.

A ativista adolescente disse que usou seus oito meses de prisão como uma oportunidade de estudar direito internacional e espera um dia liderar casos contra Israel em tribunais internacionais.

Ela foi libertada em julho do ano passado e prestou homenagem a todas as mulheres palestinas atualmente encarceradas por Israel.

Ao ser libertada, ela declarou: “Minha felicidade não é completa sem minhas irmãs [prisioneiras palestinas], que não estão comigo. Espero que elas também venham a estar livres”.

A ícone palestina também disse: “A resistência continuará até o fim da ocupação”.

“As mensagens que deixo com os prisioneiros são de que a luta popular contra a ocupação continuará e de que os prisioneiros pedem a unidade nacional palestina, assim como pedem apoio aos moradores de Khan Al-Ahmar e aos moradores de Gaza e apoio à continuação da Marcha do Retorno “.

“Al-Quds foi e continuará sendo a capital do povo palestino, e o povo palestino é a base da luta pela liberdade.”

Centenas de jornalistas, ativistas internacionais e familiares se reuniram perto da casa de Tamimi nos arredores da vila de Nabi Saleh, na Cisjordânia, para comemorar sua libertação.

O que aconteceu depois?

A história de Ahed ganhou atenção considerável dos meios de comunicação internacionais que, de outra forma, ignoravam a coragem e o sofrimento de inúmeras meninas e mulheres palestinas que vivem sob ocupação e cerco militar israelense há muitos anos.

Ao abordar esse fato, a mãe de Ahed, Nariman Tamimi, sugeriu que  foi a aparência de sua filha que atraiu a atenção: “Francamente, foi provavelmente a aparência de Ahed que suscitou essa solidariedade mundial, o que é racista, a propósito, porque muitas crianças palestinas estão na posição de Ahed, mas não são tratados dessa maneira. ”

Ela explicou: “Uma jornalista escreveu uma vez no Haaretz  sobre por que eles simpatizaram com Ahed em uma ocasião em que tentaram me prender; eles me prenderam e ela estava chorando. É porque eles sentiram que ela se parecia com eles, ela disse. Então, talvez o mundo tenha demonstrado mais solidariedade porque ela se parece com os filhos deles, mas todas as crianças palestinas são Ahed Tamimi. ”

É verdade demais para ser negada. Os cabelos dourados de Ahed costumam ser o centro das atenções porque, afinal, o que ela fez  que várias outras mulheres palestinas nunca fizeram antes dela?

Ahed Tamimi participa de um protesto organizado pela Coalizão Pare a Guerra e pela Campanha de Solidariedade à Palestina em apoio ao povo palestino em 11 de maio de 2019 em Londres, Inglaterra [Tayfun Salcı/Agência Anadolu]

O cabelo loiro comprido muitas vezes tem sido político, devido aos atributos estereotipados associados à brancura, pele clara e cores de cabelo, tornando-se um símbolo de superioridade racial.

O debate em Israel frequentemente se concentra na aparência de Ahed. Assumiu implicações sexistas e raciais. Alguns israelenses chegaram a questionar abertamente se ela era realmente palestina. Um artigo do Times of Israel questionou se ela era “uma atriz ou ex-judia”.

A peça do Haaretz intitulada “E se Ahed Tamimi fosse sua filha?” observa: “vemos os cachos dourados; mais uma vez, vemos a figura de Botticelli no uniforme marrom do serviço de segurança Shin Bet e nas algemas, parecendo mais uma garota de Ramat Hasharon do que uma garota de Nabi Saleh. ”

O autor, que é homem, descreveu a aparência de Ahed como “não árabe” e frequentemente a chamou de “a loira de Nabi Saleh”. No final da peça, ele conclui: “Os israelenses não são mais capazes de se identificar com uma garota corajosa, mesmo quando ela se parece com as filhas deles, só porque é palestina”.

Existe uma obsessão com a aparência, principalmente no que diz respeito às mulheres, pois geralmente é no que se baseia o valor de uma mulher, e Tamimi se tornou um símbolo desse debate tóxico.

A mãe de Ahed acrescentou: “Existem milhares de histórias que a mídia precisa prestar atenção para destacar todos os crimes da ocupação, porque a ocupação precisa ser vista como o crime de guerra e as medidas legais precisam ser tomadas para terem esse efeito. “

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.

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